publicado em 4/7/2007.
AMÓS OZ , 68, escritor israelense que participará nesta sexta da 5ª Flip, em debate com a escritora Nadime Gordimer sobre o papel da literatura no resgate da humanidade, alia o olhar do kibutz ao olhar do deserto. O pragmatismo da vida coletiva e o mistério do deserto. Sua literatura também se define por essa estranha aliança entre realismo e enigma. O que é conhecido se reveste de espanto e soa subitamente desconhecido: ir ao mercado, cozinhar um frango.
Como diz o autor à Folha, a trivialidade pode ser mais interessante do que grandes acontecimentos, e podemos nos apaixonar "pelo jeito como uma pessoa coça a cabeça". Oz fala sobre o seu último livro, "E a História Começa" (Ediouro, R$ 29,90), sobre o tema de sua mesa na Flip, "Pantera no Porão", Israel, palestinos, americanos -não sem antes comentar que está fascinado por Marisa Monte. "Fui ver o show dela [no Rio, onde está desde domingo] e me apaixonei", disse, antes de dar a entrevista a seguir.
FOLHA - Em seu último livro, "E a História Começa", o senhor diz que cada escritor estabelece um contrato diferente com o leitor. Qual é o seu contrato?
AMÓS OZ - Meu contrato com o leitor é o de sorrir junto. Quero que o leitor seja capaz de sorrir, às vezes por meio das lágrimas. A comédia e a tragédia são duas janelas através das quais vemos a mesma paisagem.
FOLHA - Que paisagem é essa?
OZ - O quintal das nossas vidas. Há mais verdade no quintal do que no jardim da frente.
FOLHA - O senhor acha que uma pessoa se apaixona pela trivialidade de outra?
OZ - Às vezes as pessoas se apaixonam pelo jeito como uma pessoa coça a cabeça ou por uma certa maneira
de uma pessoa não saber o que fazer com os dedos.
FOLHA - Sua literatura é cheia de trivialidades e também sensual.
OZ - Este é um grande elogio. Eu quero que os meus textos sejam físicos.
FOLHA - "Pantera no Porão" é um livro sensual. O senhor sente que é uma pantera no porão?
OZ - Eu me identifico com ela. Quero me sentir mais livre.
FOLHA - Neste mesmo livro, o senhor diz que se sentia identificado com o inimigo inglês. O senhor se identifica com o inimigo?
OZ - Sempre tento imaginar: "E se eu fosse o outro?", e isso inclui o inimigo. Para mim, imaginar o outro é uma forma de vida.
FOLHA - É por isso que o senhor é contra o fanatismo?
OZ - Sim. Imaginar o outro é um dos remédios para o fanatismo. Os fanáticos nunca imaginam o outro.
FOLHA - E existem até os fanáticos antifanáticos, não?
OZ - É, você pode se tornar um fanático antifanático. No momento em que um homem diz "Vamos matar todos os fanáticos", ele é fanático.
FOLHA - E quem é o inimigo?
OZ - Dentro de Israel, é a extrema direita, e também uma certa facção da extrema esquerda radical.
FOLHA - Os palestinos não são o inimigo de Israel?
OZ - Eu diria que, dentro da Palestina, Jihad e Hamas são meus inimigos, porque eles são fanáticos. Não todos os palestinos, só Jihad e Hamas
FOLHA - O senhor acha que o que está acontecendo agora na Palestina é bom para Israel?
OZ - Não, é uma tragédia colossal. Para os palestinos e para a paz.
FOLHA - O senhor ainda acredita na paz?
OZ - Eu acho possível uma negociação histórica entre Israel e os palestinos. Israel como vizinha da Palestina. Jerusalém já é dividida entre judeus e palestinos. Israel é um país muito pequeno, menor do que o Uruguai, e nesse país vivem 5,5 milhões de israelenses e 4 milhões de palestinos. Eles têm de dividir a casa. A maioria dos israelenses quer uma solução pacífica que admita os dois Estados.
FOLHA - Paz, não amor. É esse seu lema?
OZ - Sim. É aí que eu penso diferente dos movimentos de paz sentimentalistas. Do "faça amor, não faça guerra". Eu digo paz, não amor.
FOLHA - E o "Paz Agora" não é um movimento sentimentalista?
OZ - Não, é um movimento muito pragmático e realista em favor da paz. Não tem nada a ver com amar os palestinos.
FOLHA - No livro "De Amor e Trevas", sempre reaparece um passarinho. O que ele representa?
OZ - É um pássaro que me lembra que existe um mundo fora do drama familiar. A vida pode ser uma tragédia colossal ou uma diversão. Não há contradição. Minha avó dizia: quando não há mais lágrimas, comece a dar risadas.
FOLHA - O senhor se retrata como um ingênuo. É importante ser ingênuo?
OZ - Ajuda muito. Quando você é escritor, é uma bênção ser ingênuo, porque é como ver as coisas pela primeira vez. Uma pessoa ingênua é mais rica; ela vê mais, aproveita mais e também é uma amante melhor. Quem ganha o tempo todo esquece de viver.
FOLHA - Chegamos aos americanos, os vencedores. Sua política é boa para Israel?
OZ - A política dos Estados Unidos não é sábia para ninguém, nem para os americanos.
FOLHA - O senhor ainda vê Bush como o chefe de um grande parque de diversões?
OZ - Bush e o seu governo se autodenominam conservadores, mas eles são radicais. Querem que o mundo inteiro seja democrático, mas no sentido americano da palavra. Tentar instalar a democracia com uma arma, como no Iraque, não pode funcionar.
FOLHA - O senhor se considera um sonhador?
OZ - Parte do tempo. Às vezes, eu acordo.
FOLHA - Como o senhor acha que as especificidades da língua hebraica influenciam sua maneira de escrever?
OZ - Eu não sou um chauvinista do país, mas sou um grande chauvinista da língua. O hebraico é um maravilhoso instrumento musical. É um vulcão em erupção. E eu já criei algumas palavras novas, que estão no dicionário. É o mais próximo da imortalidade a que se pode chegar.
FOLHA - Se o hebraico é um vulcão em erupção, como o senhor se sente ao ser traduzido?
OZ - É como tocar um concerto de violino ao piano. Nunca force o piano a produzir os sons do violino. Eu digo para os meus tradutores: "Seja infiel para ser fiel".
FOLHA - O senhor disse numa entrevista que, depois de muito tempo, decidiu perdoar e esquecer suas raivas. Qual é a importância da raiva?
OZ - Eu tive muita raiva de meus pais. Enquanto eu sentia raiva, não podia escrever sobre eles. Quando cheguei aos 60 anos, atingi a idade em que podia ver os meus pais como se fossem meus filhos. Aí, a raiva deu lugar à curiosidade, à compaixão, à ironia e à empatia.
FOLHA - É verdade que os judeus sempre respondem a uma pergunta com outra pergunta?
OZ - Uma vez eu perguntei para o meu pai: "Por que os judeus sempre respondem uma pergunta com outra pergunta?", e ele respondeu: "Por que não?".
FOLHA - O senhor se sente um traidor, como diz em "Pantera no Porão"?
OZ - Quando escrevo sobre os acontecimentos e sobre as pessoas, eu os traio. Eu os confino às palavras e os torno públicos. Isso é uma traição.
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